Édipo Rei

A incursão de Pasolini pela tragédia escrita por Sófocles se tornou um dos principais filmes deste moderno e, em certo ponto caótico, cinema dos anos 60. Após conhecer uma profecia que anunciava que seria assassinado pelo próprio filho, Laio entrega seu filho para ser executado no deserto. O servo não tem coragem de praticar o ato final, Édipo é resgatado e criado pelo monarca do reino vizinho. Na juventude, Édipo encontra Laio em uma estrada e cumpre a profecia. Logo depois, casa-se com sua própria mãe. 

As belas e desertas locações no Marrocos são destaque no filme. A verve poética de Pasolini subverte tempo e espaço, desenvolvendo a trama em três partes. No início, Laio é um militar e vive um apaixonado casamento com Giocasta, na cidade de Bolonha dos anos 60. A segunda parte regride ao tempo de Sófocles, desenvolvendo a peregrinação de Édipo rumo ao seu destino profético de cometer parrícidio e incesto. Na terceira parte, o cego Édipo é guiado por Angelo pelas ruas da Bolonha do início. 

A trama oscila entre as imagens belas e contemplativas de personagens caminhando no deserto, da família feliz brincando nos jardins do palácio, para os planos próximos de personagens, retratos de rostos sofridos e castigados pela miséria e pelo deserto. A verborragia desesperada de Édipo, à medida que se entrega ao seu destino, contrasta com a silenciosa Jocasta que se entrega ao prazer do amor com o próprio filho. Belas e fortes interpretações de Franco Citti e Silvana Mangano. 

Édipo Rei (Edipo Re, Itália, 1967), de Pier Paolo Pasolini. Silvana Mangano (Giocasta), Franco Citti (Édipo), Alida Valli (Merope), Carmelo Bene (Creonte), Julian Beck (Tiresia(, Luciano Baroli (Laio). 

Da Colina Kokuriko

A jovem Umi Matsuzaki vive em uma pensão no alto da Colina Kokuriko. Logo de manhã, ela avista um barco de pesca no canal abaixo, trocando olhares com o também jovem Shun Kazama, tripulante do barco. O destino dos dois está selado, pois se encontram na escola de ensino médio, onde estudam. O introspectivo Shun lidera um grupo de estudantes que habita após as aulas um prédio abandonado, nos arredores da escola, o Quartier Latin. O interior do velho prédio reflete o comportamento dos estudantes: espaços caóticos, repletos de livros, experimentos e outras quinquilharias. Quando a direção da escola anuncia a demolição do prédio, Umi e suas amigas se juntam aos outros estudantes para limpar e lutar pela preservação do Quartier Latin. 

Da Colina Kokuriko é a imersão de Goro Miyazaki – o roteiro do filme é escrito por seu pai, Hayo, pela história moderna do Japão. A trama acontece em 1963, às vésperas das Olimpíadas de Tóquio, quando diversas construções estavam sendo demolidas para dar lugar a espaços modernos, simbolizando a nova Tóquio das Olímpiadas.

A singela história de amor entre Umi e Shun traz belíssimas cenas movidas simplesmente ao olhar, aos gestos sutis, ao espaço cênico dos prédios da escola, da pensão onde a jovem mora, do mar. O conflito entre o velho que precisa ceder seu lugar ao novo é abordado de forma bela e poética nas nuances do relacionamento entre os dois estudantes. Eles tentam manter aquilo que é mais importante: a necessidade perene de lutar pela conservação da beleza, seja de que tempo for.  

Da Colina Kokuriko (Japão, 2011), de Goro Miyazaki.

Vive-se só uma vez

Quando sai da prisão, após cumprir pena de três anos por assalto, Eddie se casa com Joan, assistente do advogado de defesa do ex-presidiário. Os dois estão em lua de mel em uma pousada e saem para caminhar pelo jardim à noite. Param em frente a um pequeno lago, vislumbram um casal de sapos. Eddie diz a Joan: “Quer saber algo sobre sapos. Se um morre, o outro também morre. Um não vive sem o outro.” Joan comenta: “Como Romeu e Julieta.” A câmera filma o reflexo de Eddie e Joan nas águas, uma pequena turbulência deixa a imagem do casal difusa, como um espelho trincado. 

A conversa e a força visual da sequência anunciam a tragédia na vida do casal apaixonado. O tema do filme é a impossibilidade de marginais se reintegrarem à sociedade, devido ao preconceito. Logo depois, os dois são expulsos da propriedade, pois os donos descobrem o passado de Eddie. Ele é despedido do trabalho e acusado injustamente de participar de um roubo à banco que resultou na morte de oito policiais.

A carreira do cineasta alemão Fritz Lang aponta para filmes que desenvolvem lutas individuais contra a força do destino, lutas quase sempre marcadas pela fatalidade. A potência visual de suas obras, exercitadas durante sua experiência no expressionismo alemão, simboliza a sociedade submersa nas sombras, na neblina, como na bela, triste e trágica fuga de Eddie da prisão. 

“Lang expressa a condenação perpétua de Eddie Taylor por meio do motivo visual das grades, que sempre estão entre o personagem de Henry Fonda e os outros ou cercando-o na forma de sombras, tecendo um signo inequívoco. Mesmo fora da prisão, os cenários em torno de Eddie são compostos por linhas que o confinam, por janelas que o obrigam a ficar de fora ou do lado de lá. (…) Se a sociedade os impede de existir de outro modo, só será possível viver longe dela, num pessimismo romântico em que a liberdade se realiza ou na natureza ou na morte.” – Cássio Starling Carlos

Vive-se uma só vez (You only live once, EUA, 1937), de Fritz Lang. Com Sylvia Sidney (Joan Graham), Henry Fonda (Eddie Taylor), Barton MacLane (Stephen Whitney), Jean Dixon (Bonnie Graham), William Gargan (Padre Dolan). 

Referência: Fritz Lang. Vive-se uma só vez. Coleção Folha Grandes Diretores no Cinema. Cassio Starling Carlos e Pedro Maciel Guimarães. São Paulo: Folha de S. Paulo, 2018