A cidade que não dorme

“Entre as técnica preferidas do cinema noir estão a iluminação chiaroscuro contida, ângulos estranhos, flashbacks, narração sobreposta em primeira pessoa, diálogos rápidos e mordazes e narrativas não lineares.” – Phillip Kemp.

A cidade que não dorme reflete estas tendências, com uma particularidade: a narração sobreposta é feita pela própria cidade, Chicago. “Eu sou a cidade. No alto da América e parte dela. Um caldo de todas as raças, credos, cores e religiões da humanidade. De meus famosos currais a minhas fábricas muito altas. De meus bairros de apartamentos à presunçosa Lakeshore Drive. Eu sou a voz, a pulsação desta gigantesca cidadela de civilização, alastrada, sórdida e linda, pobre e magnífica. E esta é a história. Só uma noite nesta grande cidade. Agora, conheçam meus cidadãos.”

Esses cidadão, cujas vidas se cruzam tragicamente nesta noite são: Greg Warren, ex-ator que ganha a vida se fazendo de robô em uma vitrine; Johnny Kelly, policial frustrado com a profissão e o casamento; Sally Connors, dançarina de clube noturno; Hayes Stewart, ex-mágico que se especializou em batedor de carteiras; Penrod Biddel, famoso advogado criminalista e Lydia, sua esposa. 

A bela, jovem e fatal Sally Connors, por quem Johnny Kelly está apaixonado, desencadeia os conflitos, pois o policial aceita uma arriscada e ilegal oferta do advogado em troca de cinco mil dólares, dinheiro que seria usado para fugir com a dançarina. 

Como se vê, Chicago não conta uma história de seus cidadãos comuns. A cidade escolheu os consagrados marginais do cinema noir, que transitam pela noite de armas em punho, movidos a corrupção, sexo, desejo de poder, traições. Nem mesmo os policiais são confiáveis, pois podem se entregar àqueles que devem combater.  A fotografia de John Russell é um dos pontos fortes do filme. Atente para a sequência em que o homem robô presencia um crime nas ruas: a luz em seu rosto metálico, seu olhar se desviando ligeiramente para observar a bela mulher que corre na rua depois de ser atingida pelo tiro mortal, ajuda a entender por que somos tão apaixonados pelos filmes noir. 

A cidade que não dorme (City that never sleeps, EUA, 1953), de John H. Auer. Com Gig Young, Mala Powers, William Talmer.

Cidade tenebrosa

A noite aparentemente calma em um posto de gasolina. O atendente está feliz,  escuta Doris Day no rádio, música que pedira. Atende dois homens, é golpeado na cabeça. Um terceiro desce do carro. Um assalto. O policial da ronda noturna para no posto, segue-se um tiroteio, é morto. De assaltantes, passam a assassinos de policiais. 

A clássica abertura noir apresenta neste filme aquilo que todos tememos: noites serenas escondem o terror, a cidade na qual caminhamos tranquilos à noite pode se tornar tenebrosa. Para Steve também. É um ex-presidiário, completamente regenerado. Trabalha como mecânico de aviões, está deitado feliz com a mulher que ama quando o telefone toca. É um dos assassinos, que o conhece da penitenciária. 

Cidade tenebrosa apresenta uma sucessão de cruzamentos de personagens que vivem na mesma região do assalto, alguns ex-presidiários que se envolvem com o assassinato, os policiais que investigam o caso, o chefe de polícia interpretado por Sterling Hayden em grande atuação. Uma trama de caça e caçador, no caminho pessoas inocentes são arrastadas para este submundo cruel da cidade noir.

Cidade tenebrosa (Crime wave, EUA, 1954), de André De Toth. Com Sterling Hayden, Gene Nelson, Charles Bronson.