1957. A jovem e bela Lola é cantora e prostituta em um bordel. Seu amante e protetor é Schuckert, importante construtor da região da Baviera que consegue contratos corrompendo os principais políticos, incluindo o prefeito, frequentador assíduo do cabaré. Esse lucrativo esquema ameaça ser rompido com a chega do honesto Von Bohm para assumir o cargo de Secretário de Obras da cidade.
Fassbinder, como uma homenagem, faz a releitura do clássico O anjo azul (1930). Após ser ofendida em uma noite por Schuckert, Lola começa um jogo de sedução com Von Bohm, escondendo sua condição. O honesto cidadão se apaixona pela cantora e as reviravoltas da trama incluem a subversão de seus princípios morais e éticos.
O tema do filme é a Alemanha do pós-guerra que busca se reerguer economicamente, tem que reconstruir suas cidades. O bordel é o símbolo político deste tempo, lugar onde todos se vendem, incluindo políticos, empresários, idealistas como o socialista Esslin e os íntegros como Von Bohm.
Lola (Alemanha, 1981), de Rainer Werner Fassbinder. Com Barbara Sukowa (Lola), Armin Mueller-Stahl (Von Bohm), Mario Adorf (Schuckert), Mathias Fuchs (Esslin).
Filmes rodados em ambiente único, com único personagem, apresentam um grande desafio: controlar o ritmo, o tempo narrativo.
“Assim parece indiscutível que o cinema é primeiramente uma arte do tempo, já que é esse o dado mais imediatamente perceptível em todo esforço de apreensão do filme. Isso se deve, sem dúvida, ao fato de que o espaço é objeto de percepção, enquanto o tempo é objeto de intuição. O espaço é um quadro fixo, rígido e objetivo, independente de nós, e nos encontramos no espaço (representação) do filme da mesma forma que nos encontramos no espaço real. Ao contrário, se o tempo é também um quadro fixo, rígido e objetivo (implica um sistema de referência social: horas, dias, meses, anos), apenas a duração possui um valor estético, e embora estejamos no tempo, a duração, propriamente, está em nós, fluída, contráctil e subjetiva.” – Marcel Martin.
Em 127 horas (127 hours, EUA, 2010) de Danny Boyle, a ação transcorre em um único espaço: no cânion Blue John, em Utah. Aron Ralston (James Franco) é ciclista/alpinista cujo divertimento, desde criança, é escalar as rochosas. Na primeira parte do filme, pedala solitário pelo deserto de pedras, encontra uma dupla de amigas, se divertem momentaneamente em um lago de caverna, se despedem e Aron parte em sua jornada rumo ao imprevisível. Para o espectador não há mistério: sabe-se que Aron vai ficar preso pelo braço na confluência de duas rochas e o desfecho da história (real, baseada na história do alpinista) é um lento e inacreditável processo de auto-imolação.
Cinco covas no Egito (Five graves to Cairo, EUA, 1943), de Billy Wilder, narra a luta solitária do cabo inglês John J. Bramble (Franchot Tone) para conseguir informações sobre a localização secreta de um armazém de suprimentos do exército alemão no deserto. O cabo Bramble assume a identidade de um criado do hotel onde os nazistas estão hospedados e ganha, aos poucos, a confiança de Rommel (Erich Von Stroheim). A trama aborda o embate psicológico entre Rommel e o oficial inglês.
Em Ratos do deserto (The desert rats, EUA, 1953), de Robert Wise, oficial inglês (Richard Burton) lidera destacamento australiano no deserto. Eles enfrentam arriscadas missões para atrasar o exército de Rommel (James Mason) em sua investida contra Tubruk. O pequeno destacamento usa técnicas de guerrilha, os soldados se escondem nas rochas e buracos na areia, daí os ratos do deserto.
Erwin Rommel (1891/1944) ficou conhecido como raposa do deserto devido a astúcia no comando dos exércitos alemães e italianos que tentavam dominar o norte da África durante a Segunda Guerra Mundial. Perto do final da guerra, Rommel foi acusado de traição. Hitler, considerando seu histórico e prestígio, faz a ele uma proposta: ao invés de ser submetido a julgamento, cujo veredito certamente seria a condenação à morte, Rommel poderia dar fim à própria vida, salvando com esse ato seus familiares. Rommel aceita e ingere veneno.
O marechal-de-campo alemão faz parte dessa galeria de personagens de guerra que o cinema retrata com dubiedade. Nos dois filmes citados acima, Rommel é tratado com respeito, mas ao mesmo tempo as interpretações de Erich Von Stroheim e James Mason refletem um oficial atormentado e obsessivo, disposto a vencer a guerra a qualquer custo.
Há uma diferença fundamental na caracterização de oficiais aliados e de nazistas feita pelos filmes de guerra anteriores à década de 60. Os oficiais aliados são estrategistas inteligentes e sensíveis ao sofrimento do exército e, mesmo quando ordenam investidas suicidas, conseguem associar o ato ao heroísmo característico dos filmes de guerra. Os oficiais alemães também são grandes estrategistas, no entanto com uma inteligência doentia e cruel, capazes de ordenar massacres hediondos em busca da vitória.
Nos anos sessenta houve a revisão conceitual dos filmes de guerra americanos, motivada pela guerra do Vietnã. Importantes filmes caracterizaram oficiais aliados também perturbados psicologicamente. O mais significativo foi Patton – rebelde ou herói? (Patton, EUA, 1970), de Franklin J. Schaffner. É um filme biográfico sobre o general americano Patton (1885/1945). “Como poeta, assassino treinado e acólito da reencarnação, ele é um enigma cuja sensibilidade radicalmente dissidente era interessante na época da Guerra do Vietnã, tanto para seus opositores como para seus defensores.” – 1001 filmes para ver antes de morrer.
Em todos esses exemplos, estamos falando de personagens reais. Durante as guerras nas quais participaram, estes oficiais comandaram batalhões, foram responsáveis diretos pelas mortes de milhares de soldados de ambos os lados, assim como de civis, às vezes para conquistar apenas alguns quilômetros de território. A história se encarrega de glorificar atos cruéis e desumanos e para isso se serve da grandiosidade de algumas cenas de cinema.
Referência: 1001 filmes para ver antes de morrer. Steven Jay Schneider (org.). Rio de Janeiro: Sextante, 2008.