Napoleão

O ano, 1927. O filme, Napoleão (Napoleon, França), de Abel Gance. Das mais ousadas e revolucionárias obras do cinema mudo. Na primeira meia-hora de projeção, a tela se divide em nove pequenas seções, ações paralelas acontecem simultaneamente aos olhos do espectador. Na sequência final, Abel Gance divide a tela em três ações paralelas, às vezes a mesma ação vista sob três ângulos diferentes. Personagens transitam de um quadro a outro em alguns momentos, como se passassem em frente a um jogo de espelhos. No clímax, o espectador vê o close de Napoleão imponente no centro, ao lado, as cenas de batalha, como a contemplar o esplendor de suas conquistas.

Esta inovação exigiu o desenvolvimento de um procedimento tecnológico conhecido como tríptico. “O filme tornou-se famoso na história do cinema pela utilização, nos momentos finais, do tríptico (três telas exibindo, simultaneamente, imagens filmadas com três câmeras). Gance queria aumentar o tamanho da projeção e achava que, com uma câmera virada para a direita, uma para a frente e uma para a esquerda, conseguiria seu intento.” –  Heitor Capuzzo

As inovações estéticas de Abel Gance não param por aí. O diretor faz intervenções gráficas em cenas, brincando com setas em movimento, letterings sobrepostos a imagens, fusões de frases e imagens, prenunciando um estilo que se afirmaria a partir dos recursos eletrônicos de edição. Fusões sobre fusões marcam a narrativa, chegando a três, quatro camadas de imagens. Quando Napoleão entra no congresso vazio, pouco antes de partir para a campanha da Itália, é assombrado pelos fantasmas da revolução. Mitos como Danton, Saint-Just, Marat, aparecem em imagens sobrepostas e as cadeiras do congresso vão gradativamente sendo tomadas, fusões e mais fusões, por diversos personagens mortos durante o “terror”.

Em uma sequência ousada, Abel Gance deixa o espectador vislumbrar seios e nádegas das dançarinas em uma festa, ritmando o movimento das mulheres com cortes alternados cada vez mais acelerados, acentuando os corpos das mulheres com sugestivo jogo de luzes.

Napoleão é mítico na história do cinema. Abel Gance terminou a montagem final com nove horas de duração. Este épico monumental sofreu com a tirania dos produtores: o filme foi completamente mutilado, cortes e mais cortes tentando chegar a uma metragem considerada comerciável. Muito se perdeu do filme original neste processo (a versão restaurada em DVD tem cerca de quatro horas de duração).

O filme é inovador tecnicamente. Câmeras em trenós movidas por controle remoto ou acopladas ao dorso de cavalos, penduradas em pêndulos; lentes envolvidas em espuma para conseguir tons inusitados; o impressionante tríptico. Tudo para contar a história deste homem fascinante, ousado e revolucionário como o próprio filme de Abel Gance.

Referência: Evolução das imagens em movimento. Heitor Capuzzo (coord.) Belo Horizonte: Escola de Belas Artes / UFMG, 1998. (pesquisa).

A sorridente Madame Beudet

Madame Beudet está enclausurada em um casamento monótono, representação da sociedade que relega a mulher ao papel de dona de casa amorosa, cuja obrigação é sentir-se feliz diante da vida confortável proporcionada pelo casamento. Cada vez mais triste e deprimida, Madame Beudet enseja sua única possibilidade de libertação: a morte do marido.

A diretora Germaine Dulac fez parte do círculo de cineastas experimentais da última década do cinema mudo, reunidos em torno do movimento denominado impressionismo francês. Seus filme buscavam ao mesmo tempo a poesia das imagens e a representação da opressão feminina, sendo por isso considerada uma das primeiras autoras do cinema feminista.

“O elemento mais cativante de A sorridente Madame Beudet é composto pelas elaboradas sequências de sonho em que a dona de casa do título (Germaine Dermoz) fantasia uma vida fora dos limites da sua existência monótona. Usando efeitos especiais radicais e técnicas de montagem, Dulac incorpora alguns dos elementos estéticos de vanguarda da época para contrastar o poder feminino rico e vigoroso da vida imaginária de madame Beudet com o tédio da rotina compartilhada com seu marido (Alexandre Arquillière).” 

A sorridente Madame Beudet (La souriante Madame Beudet, França, 1923), de Germaine Dulac. Com Germaine Dermoz, Alexandre Arquillère, Jean D’yd.

O rei dos elfos

O filme abre com a descrição em prosa do célebre poema de Goethe, O rei dos elfos. Corta para um homem à cavalo levando o filho doente nos braços. Ele precisa chegar à cidade o mais rápido possível, mas seu cavalo não resiste e cai por terra. Pai e filho encontram abrigo em uma casa, conseguem um cavalo e cavalgam pela estrada até adentrar, à noite, a floresta. 

A partir daí, a trama ganha o tom assombrado, baseado no poema de Goethe. O rei dos elfos emerge das sombras, junto com suas fadas, e persegue o garoto. A diretora Marie-Louise Iribe, também atriz, uma das pioneiras do cinema francês, recria com efeitos visuais o visual místico da floresta, onde vivem seres fantasmagóricos comandados pelo assustador rei que sequestra a alma das crianças. Realizado logo no início do cinema sonoro, a película traz a força da narrativa visual, com frases curtas  entre a criança e seu pai, reproduzidas do poema. O final triste, já anunciado na balada de Goethe, deixa o espectador entre os sentimentos de beleza e melancolia, ciente que está diante de um filme que une várias referências artísticas.  

O rei dos elfos (Les roi des aulnes, França, 1931), de Marie-Louise Iribe. Com Otto Gebuhr, Joe Hamman, Mary Costes, Rosa Bertens.  

O cigarro

Pierre Guérande, diretor de um museu em Paris, está envolvido em uma pesquisa sobre  faraó egipcio que cometeu suícidio. Ele é casado com uma mulher muitos anos mais nova e começa a desconfiar que está sendo traído. Pierre não julga a esposa, pois reflete que é natural, devido a diferença de idade, mas resolve experimentar a mesma técnica de suicidio do faraó: Pierre introduz veneno em um cigarro e o mistura com outros dentro de seu estojo. Dessa forma, não sabe que dia vai morrer. 

Germaine Dulac faz um fascinante estudo sobre relações amorosas, desilusões, frustrações à medida que o tempo passa, inserindo nessas questões um tema sempre tabu na sociedade: o suicídio. Filme reflexivo e sensível, marca da grande Germaine Dulac e do movimento ao qual fez parte, o impressionismo francês.

O cigarro (La cigarette, França, 1919), de Germaine Dulac. Com Gabriel Signoret, Andrée Brabant, Jules Raucourt.