Ana e Cláudia desceram do táxi
jovens saídas da noite
vestidos pretos, sandálias de salto
destacando pernas alvas
não se sabe o que falavam
neste breve instante frente a frente
rostos quase se tocando
buscando um pouco mais
e quando se beijaram, 
lindas sob a luz do amanhecer
eram definitivamente Ana Cláudia.

Havia fantasmas 
quando a vi
num instante
na janela.

Havia saudade
no giro do pneu
em toda solidão 
da beira das estradas.

Havia vez por outra
estrela cadente
e um pedido
por tudo que há de ser.

Talvez por tudo isso
em todo viajante
há uma mulher
que nem mesmo sabe.

É assim noite na estrada
como olhos de gato
em tudo que eu via
havia.

Puseram um computador
em cima da minha mesa
aposentei a máquina
até caneta já me cansa
as letras na tela
surgem parece do nada
dá gosto de ver
dá vontade de escrever
assim, assim por nada.

– Esse trem danado vicia
que nem avião.

Mas de vícios sofro pouco
dependo de uns três ou quatro
outro dia me pegou mais um
quando cai sem querer
de beijos na sua boca.

Pensei em escrever sobre o vento
insuportável vento
com gosto de mar
que joga areia, verga galhos
grita de noite, espanta sonhos
esse vento inútil
que dizem
dá tantas voltas
podia trazer um gosto de montanha
uma brisa, um cheiro de fazenda
qualquer coisa, vento
traz qualquer coisa
da filha do fazendeiro do sul. 

A cada passo perdido
encontro seu rastro marcado
por cada luar desprotegido
chamo uma estrela envolvente
então a gente diz chega
para não cessar jamais
aquele desejo ardente
que faz da saudade a nascente.

Caminho pela madeira lapidada
por lápides sem nomes escritos
somente sua sombra gravada
na vitrine de pedra do aguaceiro.

Por cada mente envolta por luares
sonho seu corpo envolto por meus braços
por cada pensamento na solidão do espelho
dou um passo na multidão
a cada rua desarticulada
a cada sorriso desprovido
encontro seu olhar de foto desbotada.

Não sei por que mas eu te amo
tantas vezes cruzei seu tempo
mas nunca falei contigo
medo estenderás seu nome?

Em cada matilha debandada
vejo um rosto em detrimento
em cada sonho atropelado
penso ser o único que te procura
em cada pergunta demolida
creio ser sozinho no mundo
em cada beijo desperdiçado
relembro beijos eternos
que nunca provei.

És um velho
como velho é o sol que se põe
tão velho que nem o tempo pode esquecer.

És solitário
como a rosa que não morreu com o inverno
debaixo da neve cristalina.

És forte como um selvagem
e bêbado como o mais bêbado da noite.

Pode ser fraco
como a luz que se vê ao longe
bem ao longo, na estrada das fraquezas.

És triste
como o eremita
quis ser triste.

És alegre
calma alegria
não se iluda com ele.

És traiçoeiro
fere, sangra
e pensa morrer

Porque és também um assassino
um suicida
o bem da vida
és o amor
que mata sem pensar.

Abro os olhos de manhã
mas para alguém não houve amanhã
já não há sol, seus olhos
abrem-se eternamente.

No caminho, pessoas sorriem
nem sabem do sorriso desfeito
de alguém que não sofre mais
mas que gostaria de chorar
por um amigo perdido.

Já não é de manhã
a noite o levou
afogado, perdido nas águas
corpo sem alma.

Seus olhos saíram
para buscar a manhã
agora, nem flores brotam
onde a morte o encontrou.