A pista

O filme começa com uma imagem fotográfica do aeroporto de Paris, aviões estacionados na pista. Créditos anunciam “un photo-roman de Chris Marker”.Narração em off determina os rumos da narrativa: “Esta é a história de um homem marcado por uma imagem da infância. A cena que o afligiu por sua violência e cujo sentido ele só compreenderia muito mais tarde teve lugar na grande plataforma de Orly alguns anos antes do começo da Terceira Guerra Mundial.”

Estamos diante de um dos filmes de ficção científica mais surpreendentes e ousados do cinema. Toda a história é contada a partir de fotografias em preto e branco que se sucedem, espécie de experimentação foto novelística de Chris Marker. Muito tempo após a Terceira Guerra Mundial, os humanos vivem em porões e outros ambientes subterrâneos, pois o ar exterior está contaminado pela radioatividade. Um homem é convencido a viajar no tempo, primeiro ao passado, depois ao futuro, em uma tentativa de resgate das memórias da humanidade. Ele foi escolhido por ter fortes imagens mentais, memórias afetivas, que preservariam sua identidade nestas viagens no tempo. O escolhido é a criança que frequentava o aeroporto de Orly aos domingos com os pais e que seria marcado por uma imagem desta infância, a de uma bela mulher na plataforma, seguida da morte de um homem. 

A pista influenciou uma série de filmes modernos sobre viagem no tempo com a intenção de reconstruir a história, destacando-se o Exterminador do futuro (1984). O final elíptico e surpreendente também antecede diversos finais de narrativas semelhantes. Para muitos, A pista é o melhor curta-metragem da história do cinema. A beleza etérea das fotografias que se sucedem justifica essa escolha, associada a uma narração poética, reflexiva, sobre o tempo, sobre as memórias, sobre o amor: “Em Orly, aos domingos, os pais levam seus filhos para verem os aviões prestes a partir. Deste domingo, a criança cuja história contamos, reveria por muito tempo o sol fixo, o cenário armado na extremidade da plataforma, e um rosto de mulher. Nada distingue as memórias de outros momentos. Só mais tarde é que se fazem reconhecer, por cicatrizes.” 

A pista (La jetée, França, 1962), de Chris Marker. Com Étienne Becker, Jean Négroni, Hélène Chatelain, Davos Hanich, Jacques Ledoux. 

Nadja em Paris

Neste curta documental, Éric Rohmer acompanha as andanças de Nadja, jovem estudante de ascendência iugoslava, pelas ruas de Paris. Ela está na cidade para desenvolver sua tese sobre Marcel Proust e suas caminhadas são pontuadas por narração em primeira pessoa, quando ela reflete sobre a cidade, as pessoas. 

É claro, Paris é a grande personagem do curta. A câmera passeia ao lado de Nadja por lugares icônicos: a Sorbonne, Quartier Latin, Montparnasse, Belleville, os cafés e parques, além de redutos famosos da cinefilia. É a câmera de Éric Rohmer como um flâneur pela cidade que esteve presente em diversos filmes ao longo de sua carreira, sempre refletida com o charme, a beleza e a sensibilidade próprias do olhar do cineasta. 

Nadja em Paris (Nadja à Paris, França, 1964), de Éric Rohmer.

La sonate à Kreutzer

A narração em primeira pessoa encaminha essa história de possível adultério, ciúme, obsessão e crime. A jovem esposa do arquiteto Poznyecev passa seus dias ensaiando a Sonata a Kreutzer, acompanhada de um também jovem violinista. A desconfiança se instaura na mente do arquiteto que passo a passo fica cada vez mais dominado pelo ciúme. Ele finge uma viagem a trabalho e volta repentinamente para casa, flagrando o casal de músicos deitados no sofá. 

Jean-Luc Godard, que atua como coadjuvante, é o produtor do curta. Claude Chabrol e François Truffaut também aparecem em pontas. O projeto colaborativo dos jovens críticos de cinema tem uma atração à parte: Poznyecev vai encontrar seu amigo crítico (Godard) no trabalho, cujo cenário é nada mais nada menos que a própria Cahiers Du Cinema.  

La sonate à Kreutzer (França, 1956), de Éric Rohmer. Com Éric Rohmer (Poznyecev), Françoise Martinelli (a esposa). Jean-Claude Brialy (Trukhacevskij).

Véronique et son cancre

O curta de Éric Rohmer, com dois personagens em cena, filmado inteiramente dentro de um apartamento (residência de Claude Chabrol), mistura humor, ironia e crítica social. Véronique, uma jovem tutora, tenta ensinar matemática e francês a uma criança. No entanto, o estudante refuta com análises lógicas, mesmo que baseadas em seu raciocínio infantil, as questões apresentadas pela tutora. 

O destaque da trama são as investidas da criança contra a tutora e, naturalmente, contro os procedimentos de ensino. Tudo que a criança quer é despachar a professora e voltar para suas brincadeiras no chão da sala. Ficar livre daquilo é também a sensação expressa pela professora que, vez por outra, tira os sapatos e esfrega com impaciência (e talvez com leve erotismo) os pés. .

Véronique et son cancre (França, 1958), de Éric Rohmer. Com Nicole Berger (Véronique) e Alain Delrieu (estudante). 

Charlotte e seu bife

Este curta experimental foi filmado em 1951 como um filme mudo. Quase dez anos depois, Éric Rohmer resgatou a película e sonorizou a narrativa, com dublagens de Stéphane Audran e Anna Karina, uma das musas da nouvelle-vague. Mas o grande destaque é a participação de Jean-Luc Godard, com 21 anos, interpretando Walter.

Charlotte está esperando o horário do trem e, antes do embarque, vai até seu apartamento para preparar uma refeição rápida. Walter a acompanha e, enquanto Charlotte prepara um bife, fica o tempo todo encostado na parede. Os diálogos são curtos, os gestos se dividem entre a espera pelo bife (cujo tamanho impede de ser dividido entre os dois) e sugestões amorosas.  

O curta é mais um exemplo de como jovens realizadores, no caso os ainda críticos da Cahiers Du Cinema, se envolvem em projetos colaborativos, trabalhando com ideias simples e fascinantes. 

Charlotte e seu bife (Presentation ou Charlotte et son steak, França, 1960), de Éric Rohmer. 

Berenice

Os primeiros curtas experimentais de Éric Rohmer destoam de sua carreira como longa-metragista, principalmente a partir das famosas séries Seis contos morais, Comédias e provérbios e Contos das quatro estações. Em Berenice, Rohmer se debruça sobre a narrativa de gênero, adaptando uma história de Edgar Allan Poe. 

O protagonista (interpretado pelo próprio Rohmer) sente uma atração por sua prima Berenice, que se transforma em obsessão quando ele vê os dentes dela. A estética reflete influências claras do expressionismo alemão, demonstrando, neste momento, o trabalho do crítico da Cahiers Du Cinema que se inspira na história do cinema em sua passagem para a realização. A Cahiers Du Cinema está presente também na forma de colabores. O filme foi fotografado e editado por Jacques Rivette, com câmera 16mm, e integralmente rodado na casa de André Bazin.  

Berenice (França, 1954), de Éric Rohmer. Com Éric Rohmer e Teresa Gratia.

Une Étudiante D’Aujourd’Hui

O curta começa com planos fechados de mulheres caminhando pelas ruas, com destaque para livros e pastas em suas mãos. Voz over informa: “No ano acadêmico de 1964/65 houve 123.326 alunas femininas matriculadas nas universidades francesas, representando 43% de todos os alunos universitários. Trinta anos antes, na véspera da Segunda Guerra Mundial, havia apenas 21.136, menos de 30% do corpo estudantil. Atualmente, cada vez mais garotas escolhem entrar para a faculdade, determinadas a acompanhar os garotos o mais rápido possível.”

O documentário, de cerca de dez minutos de duração, acompanha jovens mulheres em seu cotidiano nas universidades, em cafés, sempre com suas pastas e livros nas mãos, no trabalho. A narrativa transita entre universidades de Paris, destaque para a Sorbonne, e escolas nas províncias, demonstrando também o crescente investimento em universidades no interior. Outro ponto que determina a narração e as imagens é o contraponto entre a carreira acadêmica e a vida domiciliar das mulheres. 

Éric Rohmer filmou este curta documental em paralelo com sua série Seis contos morais. Um intervalo no retrato ficcional do cotidiano de seus personagens, acompanhando agora jovens mulheres (que tanto marcam seus filmes) em sua vida real. 

Une Étudiante D’Aujourd’Hui (França, 1966), de Éric Rohmer.

A carreira de Suzane

O segundo filme da série Contos Morais, de Éric Rohmer, é um média-metragem, de cerca de 55 minutos de duração. A narrativa acompanha três jovens parisienses: Bertrand, o narrador da história, seu amigo Guillaume e Suzanne. Os três se conhecem em um café, Guillaume e Suzanne se tornam namorados, vivendo uma relação de conflitos, enquanto Bertrand assiste à relação com um misto de admiração e inveja. 

Rohmer filmou A carreira de Suzane com uma câmera 16mm e elenco de atores amadores. As lentes acompanham as andanças dos três jovens e, eventualmente, outros amigos, pelos pequenos apartamentos, e pelas ruas de Paris. O olhar de Rohmer se volta sem escrúpulos para a vida boêmia da juventude, em relações movidas por entregas e abusos, um retrato desta conturbada década em questões sociais e culturais.

A carreira de Suzane (La carrière de Suzanne, França, 1963), de Éric Rohmer. Com Catherine Sée (Suzane), Philippe Beuzen (Bertrand), Christian Charrière (Guillaume), Diane Wilkinson (Sophie). 

Os Panteras Negras

O curta-metragem de Agnès Varda foi filmado durante o verão de 1968, quando os Panteras Negras se reuniram em manifestações em Oakland, Califórnia. O motivo das manifestações foi chamar a atenção para o julgamento de Huey Newton, um dos fundadores da organização. Huey Newton respondia pela acusação de homicídio de um policial branco durante uma batida policial em um bairro negro de Oakland.

Agnès Varda não se isenta de tomar partido, focando nas manifestações de rua e nos discursos dos líderes dos Panteras Negras. É um documentário sóbrio, tradicional, mas provocativo. A câmera a serviço do real, a edição pontuada por imagens e frases precisas, transformaram o filme em um dos mais importantes registros históricos deste revoltante contexto racista da década de 60 nos EUA. 

Os panteras negras (Black panthers, França, 1968), de Agnès Varda.

A padeira do bairro

Este curta-metragem abre a série Contos Morais de Éric Rohmer. Um jovem estudante de direito se sente fascinado por Sylvie, uma mulher que cruza com ele em dias seguidos nas ruas do bairro. Quando Sylvie desaparece, ele passa a frequentar uma padaria, desenvolvendo uma atração pela atendente do estabelecimento. 

Érick Rohmer apresenta neste curta as características que vão demarcar seus filmes seguintes, separados por séries temáticas: jovens se encontram nas ruas das cidades, nos bares e cafés, no campo, nas belas praias francesas e desenvolvem relações que oscilam entre a amizade e o romance. Debates, reflexões em primeira pessoa, diálogos, enquanto se movem incessantemente, os personagens de Rohmer conversam, divagam, seguem movidos por questionamentos e relações ao acaso. 

A padeira do bairro (La boulangère de Monceau, França, 1963), de Éric Rohmer. Barbet Schroeder, Claudine Soubrier (Jacqueline), Michèle Girardon (Sylvie).