Mormaço

A narrativa abre com imagem de Ana deitada na pedra ao sol, em uma cachoeira. Corta para imagens de explosões de obras, preparando a cidade para as Olimpíadas do Rio de Janeiro 2016. Cortina de fumaça invade as ruas, Ana é envolta pela densa e sufocante onde de calor e sujeira. 

As cenas de abertura determinam o tom do filme: o calor do Rio associado às obras das Olimpíadas provocam ondas de revoltas. Ana é advogada e defende causa popular dos moradores da Vila Autódromo, despejados por conta da construção da Vila Olímpica. Ela mora em prédio que também está em vias de abandono pelos moradores, pois hotel de luxo será construído no local. Manchas começam a aparecer na pele da advogada sem diagnóstico preciso pelos médicos. 

Mormaço debate os problemas decorrentes do megaprojeto olímpico, colocando em pauta o agressivo plano de desocupação de moradores. A degradação da cidade e das pessoas é indicada através de metáforas visuais e narrativas. Atenção para a triste imagem dos desocupados arrastando seus pertences na calçada em frente ao Estádio Olímpico.  

Mormaço (Brasil, 2018), de Marina Meliande. Com Mariana Provenzzano (Ana), Paulo Gracindo (Pedro), Analú Prestes (Rosa), Sandra Maria Teixeira (Domingas).  

A casa de veraneio

A princípio, há um toque de humor nos pequenos e diversos conflitos que permeiam a narrativa do filme. Começa com Luca rompendo com Anna em um café de Paris, pouco antes da cineasta se reunir com grupo de investidores em busca de dinheiro para seu novo filme. Corta para paradisíaca mansão à beira do mar na Côte d’Azur onde amigos se reúnem para as férias de verão. 

Anna, proprietária da casa junto com a irmã Elena, tenta escrever o roteiro de seu filme, baseado na morte do irmão, enquanto sofre com a separação de Lucca. Os outros personagens entremeiam dramas, angústias, discutem sobre o passado. Todos são de classe média alta, estão na meia idade ou já na terceira idade. Do outro lado, os empregados da casa também desfilam seus dramas pessoais. O tom de humor se perde à medida que entram questões como crise entre casais, solidão, velhice, depressão, conflitos de classes, xenofobia, dilema de integrantes da esquerda francesa diante da ascensão da direita. Difícil esboçar sorrisos, mesmo quando os personagens se entregam às caricaturas de si mesmos, diante de tanta angústia. 

A casa da veraneio (Les estivants, França, 2018), de Valeria Bruni Tedeschi. Com Valeria Bruni Tedeschi (Anna), Pierre Arditi (Jean), Valeria Golino (Elena), Noémie Lvovsky (Nathalie), Yolande Moreau (Jacqueline), Laurent Stocker (Stanislas), Riccardo Scamarcio (Luca), Bruno Raffaelli (Bruno), Stefano Cassetti (Marcello), Brandon Lavieville (François), Celia (Oumy Bruni Garrel). 

Valerian e a cidade dos mil planetas

No século XVIII uma espaçonave que reúne milhares de espécimes diferentes – a cidade dos mil planetas – navega pelo espaço. O jovem Major Valerian e a Sargento Laureline, em constante conflito amoroso, participam de missões em diversos planetas. Valerian é assombrados por estranhos sonhos que remetem a um povo desconhecido, na verdade a população de um planeta dizimado há trinta anos durante ataque militar. 

O diretor Luc Besson (O quinto elemento e Asterix nos jogos olímpicos) é responsável pela produção mais cara da história do cinema francês, orçamento em torno de 210 milhões de dólares. A película comemora o cinquentenário da famosa série em quadrinhos francesa, centrada nas aventuras interestelares de Valerian.

Os efeitos visuais são o forte da narrativa que traz toques de Avatar: destrutivo regime militar não poupa populações que vivem em perfeita interação com o meio-ambiente. Tema sempre importante, pois é a realidade de nosso planeta.  

Valerian e a cidade dos mil planetas (Valerian and the city of a thousand planets, França, 2017), de Luc Besson. Com Dane Dehaan (Major Valerian), Cara Delevingne (Sargento Laureline), Clive Owen (Comandante Arun).  

Como nossos pais

Rosa (Maria Ribeiro) representa as angústias de grande parte das mulheres na contemporaneidade. Perto dos 40 anos, ela enfrenta problemas no casamento, frustrações no trabalho, convive com dilemas de relação com as filhas adolescentes, cuida dos pais idosos. A mãe sofre com doença terminal e faz revelação bombástica sobre a paternidade de Rosa, provocando reviravoltas nos caminhos da protagonista.

Como nossos pais é o retrato dos problemas que assolam famílias de classe média: conflitos entre gerações, desconfianças e infidelidades conjugais, frustrações profissionais, machismo, liberdades sexual, abandono dos pais. Rosa faz refletir sobre o papel da mulher em meio a tudo isto, afirmando o protagonismo feminino – Laís Bodanzky na direção, Maria Ribeiro como protagonista – na recente produção do cinema brasileiro. 

Como nossos pais (Brasil, 2017), de Laís Bodanzky. Com Maria Ribeiro, Clarisse Abujamra, Paulo Vilhena, Felipe Rocha, Jorge Mautner, Herson Capri. 

Bingo, o rei das manhãs

O cinema brasileiro se debruçou com louvor sobre personagens que fizeram a história da nossa televisão, da nossa cultura pop. Hebe – A estrela do Brasil (2019), Chacrinha – O velho guerreiro (2018) e Bingo: o rei das manhãs (2017) recriam parte da biografia de ícones da telinha. 

Vladimir Brichta interpreta Arlindo Barreto, mais famoso intérprete do palhaço Bozo no programa que encantou as crianças na década de 80. Por contrato, Arlindo Barreto não podia revelar a identidade por trás do palhaço. A narrativa acompanha sua obsessão em busca da fama, tentando bater no ibope uma certa rainha dos baixinhos e provar a si mesmo e aos executivos seu talento. Na vida pessoal, são retratados seus dramas pessoais com o filho, que se sente abandonado, seu envolvimento com mulheres, álcool e drogas. 

Os bastidores da criação de programas na crescente indústria televisiva da época, movida a números do ibope, revelam a cruel pressão a que são submetidos os artistas. Vladimir Brichta é destaque do filme, entregando um personagem engraçado, tenso, deprimente. 

Bingo: o rei das manhãs (Brasil, 2017), de Daniel Rezende. Com Vladimir Brichta, Leandra Leal, Tainá Muller, Augusto Madeira, Ana Lúcia Torre. 

Atômica

Charlize Theron é o destaque da trama, protagonizando cenas de pancadaria nas quais bate e apanha à vontade (ela mesma gravou as cenas) e desfilando erotismo, com direito a ousada cena de sexo com Sofia Boutella. 

Lorraine Broughton (Charlize Theron) é agente do MI6. Ela é enviada sob disfarce para Berlim para investigar o assassinato de um oficial e resgatar lista de agentes duplos. O ano é 1989, às vésperas da queda do muro de Berlim. Como toda boa trama de espionagem, a narrativa é carregada de ação, surpresas, traições, assassinatos inesperados, enfim, tudo a que o espectador almeja ao sentar na cadeira diante deste gênero. Atômica está um passo acima devido, claro, à atriz que já conquistou seu Oscar e lugar no olhar dos cinéfilos. 

Atômica (Atomic blonde, EUA, 2017), de David Leitch. Com Charlize Theron, James McAvoy, John Goodman, Eddie Marsan, Sofia Boutella. 

O segredo de Davi

Davi é jovem estudante de cinema cujo voyeurismo se traduz no hábito de filmar pessoas às escondidas. Tem aparência angelical, gestos delicados, falas comedidas, mas se transforma ao cometer o primeiro assassinato: sua vizinha Mara, que reaparece a partir daí, provocando o instinto violento de Davi que comete outros crimes. 

O primeiro longa do diretor Diego Freitas segue a tendência de lançamento de bons gêneros no cinema nacional, a exemplo de As boas maneiras e O animal cordial. O ponto forte da película é o apuro estético, com sequências estilísticas nas incursões do personagem pela noite paulistana.

O segredo de Davi (Brasil, 2018), de Diego Freitas. Com Nicolas Prattes (Davi), Neusa Maria Faro (Maria), André Hendges (Jônatas), Bianca Muller (Dóris).    

Sem amor

O filme começa com casal no quarto em acirrada discussão. Abre plano e mostra Alyosha, garoto de 12 anos, encostado ao lado da porta, lágrimas descendo pelo rosto motivadas pela briga dos pais. 

Sem amor é dos mais contundentes e provocativos retratos das relações familiares na sociedade contemporânea, dominada pela futilidade das aparências, das redes sociais, pela necessidade de ascensão social. Alyosha desaparece após presenciar a discussão. O que se segue é a busca empreendida pela polícia, pelos pais, pela mídia, para descobrir o paradeiros de Alyosha. Enquanto a polícia prova sua ineficiência, os pais continuam sua jornada combativa, cada um envolvido com seu mundo superficial, ambos, a seu modo, mais preocupados com as repercussões do caso em suas vidas pessoais e profissionais. Melancólico, deprimente, Sem amor leva à reflexão sobre o vazio de vidas movidas a aparências. 

Sem amor (Neyubov, Rússia, 2017), de Andrey Zvyagintsev. Com Maryana Spivak, Aleksey Rozin, Matvey Novikov. 

Tomb Raider: a origem

Alicia Vikander é das grandes atrizes do cinema contemporâneo, oscilando entre produções independentes e de entretenimento puro. Caso de Tomb Raider: a origem, baseado no reboot do jogo, lançado em 2013. 

Lara Croft sofre com o desaparecimento do pai, renega a fortuna da família e vive seu cotidiano de labuta com problemas pessoais, financeiros. Quando descobre um mapa escondido na mansão da família, parte para uma misteriosa ilha, tentando resolver o mistério do desaparecimento do pai. A jovem inexperiente se defronta com exploradores cruéis, seres míticos, armadilhas mortais em um templo milenar. 

O roteiro é previsível, assim como as cenas de ação. Resta Alicia Vikander em ótima performance como heroína sem superpoderes, movida por dilemas humanos, descobrindo seu destino como Lara Croft. 

Tomb Raider: a origem (Tomb Raider, EUA, 2018), de Roar Uthaug. Com Alicia Vikander, Dominic West, Walton Goggins, Kristin Scott Thomas. 

Anon

Na primeira sequência, o detetive Sal Friedland anda pelas ruas de uma cidade futurista. O ponto de vista da câmera é subjetivo, o espectador acompanha o olhar do personagem cruzando com pessoas. A novidade é que o olho é literalmente a câmera: registra tudo em um chip implantado na mente. 

Anon parte de princípio fascinante: todas as pessoas têm câmeras implantadas, as imagens ficam gravadas, portanto, é simpls elucidar um assassinato, basta aos policiais acessar os registros da vítima e conferir se o criminoso foi visto. A virada acontece quando série de assassinatos acontece após um hacker conseguir inverter o ponto de vista no momento do crime, ou seja, a câmera registra pelo olhar do assassino. Anon, misteriosa mulher, cruza o caminho de Sal e coloca incertezas nos olhares de todos. 

O diretor Andrew Niccol é responsável por outras narrativas ambientadas em futuros distópicos: Gattaca – Experiência genética (1997) e O preço do amanhã (2011). Anon é o mais puro entretenimento neste universo, trazendo como adicional a marca do diretor: questões éticas, filosóficas, existenciais neste futuro não tão distante. 

Anon (EUA, 2018), de Andrew Niccol. Com Clive Owen, Amanda Seyfried, Colm Feore, Mark O’Brien.