
Nicholas Ray foi amado, talvez idolatrado, pelos jovens críticos da Cahiers du Cinema e posteriormente diretores consagrados da nouvelle vague francesa. Jean-Luc Godard chegou ao extremo de afirmar: “Houve o teatro (Griffith), a poesia (Murnau), a pintura (Rossellini), a dança (Eisenstein), a música (Renoir). Doravante, há o cinema. E o cinema é Nicholas Ray”. A própria teoria do autor, defendida pelos críticos franceses, encontrou em Nicholas Ray uma de suas principais referência:
“Acho que o que nos atraiu foi que havia algo europeu neste diretor de Hollywood. E o que havia de Europeu? Talvez a fragilidade e vulnerabilidade dos personagens principais. Apesar de ele rodar muito com astros como John Wayne ou Humphrey Bogart, seus personagens masculinos não eram machões. Havia uma grande sensibilidade, principalmente no tratamento das histórias sentimentais que dava uma impressão de grande realismo. Numa época em que o cinema de Hollywood não era pessoal ou autobiográfico tínhamos sempre a impressão de que as histórias de amor nos filmes de Nicholas Ray eram histórias reais.” – François Truffaut. Sobre a admiração incondicional pelo cinema de Nichoas Ray, Traffaut completa, em depoimento para um documentário: “Eu já disse uma vez, e repito para esta câmera. Eu disse que um filme como Johnny Guitar teve mais importância na minha vida do que na de Nicholas Ray.”
Os personagens frágeis, vulneráveis, são marcantes já em Amarga esperança, primeiro filme dirigido por Nicholas Ray. A película abre com imagens amorosas de dois jovens se olhando, se beijando, felizes, somente os rostos com fundo negro, acompanhados pela frase: “Este rapaz e esta garota nunca conseguiram se integrar no mundo em que vivemos. Esta é sua história.” Os dois se voltam assustados para a câmera, entra o título: They live by night. Corta para ousada sequência filmada de helicóptero, a câmera oscilante mostra em plongée um carro correndo por um terreno árido. Três fugitivos da prisão estão no carro: Chickamaw, T-Dub e Bowie, o jovem da abertura.
Eles abandonam o carro e seguem a pé, mas Bowie torce o pé e precisa esperar que seus dois amigos enviem um resgate. À noite, o farol de um carro cruza à noite, Bowie se aproxima, uma jovem cujo chapéu projeta sombra em seus olhos, na escuridão da noite, começa o diálogo recheados de “talvez”, sem qualquer conclusão. Estamos diante de um filme noir, gênero revitalizado por Nicholas Ray. Ao invés dos becos noturnos das cidades urbanas, Amarga esperança é um road-movie que se passa nas estradas descampadas do Texas. Os protagonistas do filme não são o detetive particular frio, irônico e inescrupuloso, e nem a femme fatale que leva o amante à degradaçãol. São Bowie e Keechi, jovens que vivem uma súbita e intensa paixão, alternando momentos românticos com a fuga desesperada da polícia e de seus destinos. A fotografia alternam entre o claro escuro, as imagens sombrias da noite contrastam com a dureza do sol do meio dia, atrevidas cenas áreas nunca vistas no cinema até então marcam a estreia de um autor no cinema. “Amarga esperança é um dos filmes que levou os filmes de crime e os noir para outra direção e revitalizou o gênero devido à visão original de Nicholas Ray e o tipo de detalhe que ele traz para a filmagem.” – Imogem Sara Smith.
Após dois assaltos a bancos, Bowie se transforma no mítico “Bowie the kid”, pois personifica os bandidos que tomaram conta do imaginário popular a partir da história de Bonnie e Clyde. Resta a ele e sua jovem esposa Keechi fugirem pela noite, buscando refúgios em motéis e chalés rurais, até serem descobertos e pegarem novamente a estrada.
O destino trágico está selado desde a abertura do filme, mas o violento final traz aos olhos e corações dos espectadores um dos momentos mais tristes do cinema. Coisas desse cinema noir amargo e sem esperança, coisas desse cinema que nos move com amor, paixão e deslumbre por histórias inalcançáveis, coisas dos filmes de Nicholas Ray.
Amarga esperança (They live by night, EUA, 1948), de Nicholas Ray. Com Farley Granger (Bowie), Cathay O’Donnell (Keechie), Howard da Silva (Chickamaw), Jay C. Flippen (T-Dub), Will Wright (Mobley).
Referência: Coleção Folha Grandes Diretores no Cinema. Nicholas Ray. Amarga esperança. Cássio Starling Carlos e Pedro Maciel Guimarães. São Paulo: Folha de S. Paulo, 2018.