
Uma de minhas leituras recentes mais tristes e perturbadoras foi O homem que amava os cachorros. O cubano Leonardo Padura usa da narrativa paralela para contar a história de Ramón Mercader e Leon Trotsky até colocar frente a frente, na Cidade do México, assassino e vítima.
Em O assassinato de Trotski (L’Assassinat de Trotsky, Itália, França, Reino Unido, 1972), o diretor Joseph Losey se concentra nos últimos dias deste encontro, preparando o espectador também em montagem paralela para o crime arquitetado e executado a mando do Governo de Stálin. Trotski (Richard Burton) vive enclausurado, junto com a mulher Natália, em uma fortaleza, protegido por correligionários armados. Franck Jackson/Mercader (Alain Delon) transita pela cidade junto com a amante Gita Samuels (Romy Schneider), buscando formas de se inserir na casa e na vida do famoso revolucionário soviético.
Solitário, quase esquecido, com tristeza contagiosa, Trotski passa os dias no jardim, refletindo, ditando para o gravador. Jackson se joga na conturbada vida urbana, em meio a manifestações políticas, o caos das ruas, assistindo a uma impressionante tourada, filmada com requintes de tortura e sadismo no momento da execução do touro, preparação para o ato final do espanhol Mercader. É o confronto também de dois grandes atores em momentos sublimes: Richard Burton e Alain Delon.
“Entre a vítima e o assassino se estabelece uma tripla relação: de oposição, por intermediários e de fascinação recíproca. A de oposição é resumida por Losey no contraste entre um personagem monolítico e um personagem instável. A composição de Richard Burton, pelo próprio fato de agregar elementos ‘estranhos’ ao ator (maquiagem, envelhecimento, mudança da voz), ainda que surpreenda, é equilibrada pela de Delon, que prolonga visivelmente os recursos de uma imagem juvenil. Aliás, a oposição é indicada por Losey desde a primeira aparição dos dois personagens: um diante do espelho, o outro diante de um gradil.” – Gérard Legrand.
Referência: O assassinato de Trotski: um filme inspirado na vida de Leon Trotski. Cássio Starling Carlos, Pedro Maciel Guimarães, Euclides Santos Mendes. São Paulo: Folha de S. Paulo, 2016.