Kanal

Dois aspectos chamam a atenção na trilogia da guerra do diretor polonês Andrzej Wajda, composta pelos filmes Geração (1954), Kanal (1957) e Cinzas e Diamantes (1958).

O primeiro é a certa irresponsabilidade romântica de uma geração de jovens cineastas recém saídos da escola polonesa de cinema. Andrzej Wajda decidiu cortar do roteiro de Kanal uma cena noturna de batalha porque era impossível ver os tiros de festim sendo disparados. A equipe de produção então isolou a área e a cena foi gravada com munição. O que se vê na tela são lampejos, pequenos raios cortando a noite, tiros de verdade.

O segundo aspecto é esse cinema carregado de simbolismo político. Kanal conta a história de um pequeno batalhão do exército polonês, cerca de 40 combatentes, durante o levante de Varsóvia, no final da Segunda Guerra Mundial. Para escapar dos nazistas, os soldados se refugiam nos esgotos da cidade. No início do filme, os personagens passam enfileirados pela câmera e narração em off antecipa que estamos vendo as últimas horas da vida daqueles soldados.

Em outra sequência, no final do filme, Bússola, jovem soldado, está mortalmente ferido e é amparado por Margarida, sua namorada, dentro dos esgotos. Eles se arrastam, a cena é escura. Avistam um clarão de luz. A saída. Margarida sorri, levanta Bússola e o beija: “nós vamos viver”. Corta para imagem de uma grade de ferro, impedindo a fuga para o Rio Vístula. Ao se dar conta da situação, Margarida diz: “não abra os olhos, está muito claro”. Ela segura as grades com as duas mãos, um close mostra seu olhar perdido. Andrzej Wajda comenta a cena.

Os dois heróis no Kanal, Margarida e seu amigo, alcançam as grades de ferro do esgoto onde esperam alcançar a liberdade, mas não podem se beneficiar daquela liberdade porque o esgoto está gradeado. Bússola morre e Margarida permanece com seu olhar perdido na distância . Bem, as audiências na Polônia sabiam o que estava ao longe porque o Rio Vístula estava ali. Em um dos lados estava o levante e do outro lado estava o exército soviético. Aquele sinal, que poderia ser obscuro para qualquer outra pessoa, foi compreendido por todos os poloneses. Os seus amigos estavam do outro lado então porque não podiam atravessar para este lado? É claro que não podíamos mostrar claramente que o Exército Vermelho estava do outro lado do Rio Vístula esperando o fim do levante.”

A verdade não podia ser mostrada porque o filme foi realizado em 1957, com a Polônia já sob o regime comunista soviético. A censura não permitiria a realidade nas telas.

O levante de Varsóvia, em 1944, provocou a morte de cerca de 250.000 poloneses. Os moradores da cidade resolveram combater os ocupantes nazistas porque imaginaram que o exército soviético estava se aproximando para ajudá-los. Uma decisão política determinou que os soldados soviéticos esperassem o fim do levante, próximos à cidade. O crítico de cinema Jerzy Plaszewski  explica o motivo.

“Do outro lado estavam aqueles que poderiam salvar o levante, que podiam avançar e atacar, mas eles estavam esperando que os poloneses sangrassem até a morte de maneira que se tornasse mais fácil impor o governo soviético na Polônia. Sabemos que o levante fracassou, que objetivamente foi uma derrota.”

Wajda completa“No fim temos que levar em consideração que a capital foi destruída, a inteligência foi destruída. Em resumo, isso facilitou que Stálin capturasse a Polônia.”Essa é a guerra. Milhares morreram para satisfazer a fome de poder de políticos e generais genocidas. Andrzej Wajda recorreu ao cinema, a uma poesia triste, para escrever a verdadeira história.

Referência: extras do DVD.

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