
A Grande Feira (Brasil, 1961) é o segundo longa-metragem de Roberto Pires, após Redenção (1959), considerado o primeiro longa-metragem produzido na Bahia. O filme reúne alguns expoentes do cinema novo ligados ao ciclo baiano, entre eles um jovem Glauber Rocha, responsável pela produção executiva.
O filme “é inspirado em uma revolta popular detonada quando o governo do Estado pensou em acabar com a feira Água dos Meninos, onde trabalhavam mais de mil feirantes, para atender os interesses de grandes companhias imobiliárias que pretendiam construir no local.” – Fernão Ramos.
A trama traz princípios do cinema novo que buscava revolução estética, narrativa e conceitual para o cinema brasileiro. A negra Maria, ladra e prostituta, transita pela Grande Feira e mora no andar de cima da boate de Zazá. O violento Chico Diabo, amante de Maria, logo no início do filme rouba uma joalheria e, na saida, mata um policial. O marinheiro Sueco chega na comunidade e vai mexer com o coração de Maria e da aristocrata Ely, esposa de um rico industrial. Ely sofre com o tédio, citando Camus e Carlos Drummond de Andrade enquanto busca aventuras na noite. Esses tipos marginais, que conta ainda com o receptador Ricardo, se cruzam nos becos, bares, quartos, boates em gradativa adrenalina de sensualidade e violência. Para salvar os feirantes, o plano de Chico Diabo é explodir os tanques da Esso, nos arredores da feira, provocando um incêndio de proporções monumentais.
Está no filme a visão rebelde – e a estética realista – do cinema novo que coloca nas mãos do povo a decisão de seu destino, mesmo que seja através da violência. Segundo ramos, em A Grande Feira, “a representação do universo burguês é caricata e a fala popular revolucionária enunciada sem dramaticidade e com impostação.”
Roberto Pires usa a fotografia em preto e branco e câmera realista para compor o painel caótico dos feirantes nas cenas externas. Nas cenas internas, o diretor não se furta a fotografar os corpos sensuais dos belos atores que compõem o triângulo amoroso. O louro sueco (Del Rey com cabelos tingidos) e a negra Maria emolduram a tela em uma sensual sequência no quarto, com direito a clichês como sapatos caindo ao chão. A fútil Ely se entrega também ao Sueco em fascinantes composições na praia e no cais.
O final do filme é um primor estético e conceitual: cena vista do alto mostra o cais após a despedida de Ely e Sueco. O marido de Ely abre a porta. O espectador vê, à distância, a mulher diminuta, frustrada, entregue ao seu destino, entrar no carro. “Apesar do respeito pelo povo e seus costumes há, no entanto, sempre uma ponta de desprezo (caso de BARRAVENTO, A GRANDE FEIRA e TOCAIA NO ASFALTO) pela apatia e pela incapacidade popular em perceber sua situação e reagir de forma radical.” – Fernão Ramos.
A Grande Feira (Brasil, 1961), de Roberto Pires. Com Geraldo Del Rey (Ronny/Sueco), Helena Ignez (Ely), Luiza Maranhão (Maria), Antonio Pitanga (Chico Diabo), Milton Gaúcho (Ricardo).
Referência: História do Cinema Brasileiro. Fernão Ramos (organizador). São Paulo: Círculo do Livro, 1987.