Confeitaria Colombo

“Oi. Chegou há muito tempo?”

“Não. Acabei de chegar.”

Pedro olhou para o copo com resto de água turva, mistura de gelo derretido e coca, em cima da mesa.

“Desculpe. Fiquei perdido, faz tempo que não venho ao Rio, acabei me confundindo ….”

“Não precisa explicar, eu, eu…. cheguei cedo, eu sempre chego cedo, você me conhece, eu ….”

Pedro apertou a mão de Ângela levemente. Ela desviou o rosto, escondendo os olhos molhados, escondendo o rosto levemente vermelho de ansiedade, escondendo de si mesma a vontade de olhar fundo nos olhos dele. “Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada / E triste, e triste e fatigada eu vinha.”

“Olavo Bilac freqüentava esse lugar. Todos os dias no final da tarde. Ficava na calçada conversando até não poder mais. Conversava com os amigos, até com estranhos que lhe pediam autógrafos. Ele adorava a fama. Você consegue imaginar a beleza de tudo isso? poetas, escritores, você consegue imaginar as conversas, as ideias, os amores que nasciam nas calçadas. Naquela época as pessoas conversavam, Pedro.”

O garçom chegou com o bloquinho nas mãos.

“Um conhaque, por favor.”

“Ângela! Você não bebe.”

Ela olhou distraída para a porta de entrada. “Tinhas a alma de sonhos povoada, e a alma de sonhos povoada eu tinha….”

“É verdade.” Ângela fez um gesto para o garçom.

“Um capuccino. Sem conhaque.”

“Dois, por favor.”

Um casal de idosos entrou, sentaram-se à mesa perto da porta da confeitaria. Um breve ressentimento tomou conta de Ângela. “Era ali que o poeta ficava, sentado nos finais de tarde”. Seus olhos encontraram de passagem os da velha senhora que percorriam o ambiente, como se fosse a primeira vez. Ângela passou a olhar para a decoração que tanto conhecia, envolvida pelo longo silêncio que se interpôs entre ela e Pedro. Ela ficava sempre fascinada com as bancadas de mármore, os lustres, aquela mobília de época, uma belle époque de poesias, de romance. “E paramos de súbito na estrada / Da vida: longos anos, presa à minha / A tua mão, a vista deslumbrada / Tive da luz que teu olhar continha”.

“Quanto tempo você fica fora dessa vez?”

Pedro demorou alguns segundos a responder, buscando tempo na colher mexendo o café.

“Dois anos. Talvez mais. É um grande projeto, a fábrica aprovou a ideia, esse carro, não sei, esse carro é o projeto da minha vida.”

“Eles não conversam.”

“O que?”

“O casal de idosos sentado na mesa de Bilac. Ela fica olhando a decoração, presta atenção nas pessoas que entram. Ele lê uma revista. Existe esse tempo? Basta apenas estar perto um do outro, assim, perto, respirando juntos. Ou é um tempo em que nem a beleza diz mais nada. Sua mulher vai com você?”

“Vai.” Pedro respondeu rapidamente, largando a colher de súbito dentro da xícara  ”Nós vamos procurar uma casa em Turim. É uma fase nova na minha vida, eu preci….”

“Nel mezzo del camin….”

“Como?”

Ângela tomou um pequeno gole do cappuccino, sentiu o gosto quente e doce tocando sua língua, deixou o líquido deitar na sua boca antes de deixá-lo descer pela garganta. “Na partida / Nem o pranto os teus olhos umedece”.

“Seu café está esfriando.”

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