Redenção

Viena, final do século XIX. Fritz, jovem oficial do exército áustriaco, é amante da Baronesa Eggersdorf. Ele conhece a irreverente Christine, filha de um violinista, aspirante a cantora lírica. Os dois se apaixonam e passam a viver um idílico romance, contando com a companhia de Theo e Mizzi, dois jovens também enamorados. Quando Fritz resolve dar fim ao seu caso com a Baronesa, o escândalo já chegou aos ouvidos do marido dela, um conservador aristocrata da sociedade vienense. 

Enquanto cenas glamourosas, retratando a futilidade da elegância dos membros da aristocracia e do exército (repare na cena em que os soldados são severamente repreendidos por que um deles andou pelas ruas da cidade sem o quepe), a tragédia se anuncia no amor de Fritz e Christine. A famosa câmera em movimento de Max Ophuls mostra sua elegância em duas sequências. Primeiro, quando os jovens enamorados andam de carruagem por uma estrada nevada. Depois, quando os protagonistas do adultério dançam a valsa durante um baile aristocrático (claro, não pode faltar baile em um filme sobre a sociedade vienense do final do século XIX). 

O final apresenta uma das mais sugestivas elipses da história do cinema, simbolizada pela pergunta angustiante de Mizzi: “Onde está o segundo tiro?” 

Redenção (Liebelei, Áustria, 1933), de Max Ophuls. Com Wolfgang Liebeneiner (Fritz), Magda Schneider (Christine), Luise Ulrich (Mizzi), Gustav Gründgens (Barão Eggersdorf), Olga Tschechowa (Baronesa Eggersdorf), Carl Esmond (Theo).

Luzifer

Johannes, um homem com o comportamento de uma criança, vive isolado numa cabana alpina com sua mãe. Seu grande companheiro é um falcão. Johannes passa os dias nas montanhas e em fervorosas orações, comandadas pela mãe, uma ex-alcoólatra, radical religiosa determinada a viver os seus dias em completo isolamento junto com o filho. Essa pretensa paz espiritual é abalada por um grupo de pessoas, representantes de uma empresa que pretende construir um empreendimento turístico na região.

Franz Rogowski é o grande destaque do filme. Sua interpretação é tocante e visceral. A criança em um corpo de homem se vê diante de perturbadores conflitos morais, religiosos, sexuais; a repressão abalando de forma assustadora a idílica convivência com a natureza. Um grande filme sobre a inocência que se perde diante do fanatismo e do sempre cruel domínio capitalista.  

Luzifer (Áustria, 2021), de Peter Brunner. Com Franz Rogowski (Johannes), Susanne Jensen (Maria).

A professora de piano

Erika é professora de piano no Conservatório de Viena. Ela vive em um pequeno apartamento com a mãe repressora, que controla sua vida e sua carreira de maneira autoritária e conservadora. As duas vivem em conflito permanente, chegando a agressões físicas. A solidão de Erika é marcada por incursões à cabines onde vê filmes pornográficos e comportamento sadomasoquista, incluindo mutilações.

O aclamado filme de Michael Haneke conquistou a Palma de Ouro no Festival de Cannes, além dos prêmios de melhor atriz para Isabelle Huppert e melhor ator para Benoit Magimel. A relação de dominação e subserviência sexual que Erika vive com seu aluno Walter Klemmer proporciona algumas das cenas de sexo mais deprimentes do cinema.  

A professora de piano (La pianiste, Áustria, 2001), de Michael Haneke. Com Isabelle Huppert (Erika Kohut), Annie Girardot (a mãe), Benoit Magimel (Walter Klemmer), Suzanne Lothar (Madame Schober (Anna Sigalevitch (Anna Scober. 

Sissi

Romy Schneider renegaria até o fim da vida a trilogia sobre a Princesa Sissi, filmes que a lançaram ao estrelato. “Desembaraçar-me da imagem de Sissi me custou muito. Ela me perseguia (…). Eu tinha a impressão de ser um pastel que todos querem comer. As pessoas pareciam convencidas que eu levava no meu bolso a coroa de imperatriz e que a qualquer momento poderia voar, como nos contos de fada.”

É indiscutível o charme e o deslumbramento dos filmes, resultado do carisma, do talento, da beleza da adolescente Romy Schneider. Sissi, o primeiro filme, aborda os anos felizes que a filha do Duque Max da Baviera passava na propriedade rural da família. Suas diversões eram andar a cavalo e conversar com os bichos de estimação. É o retrato de uma nobre família campesina, sem nada a fazer senão aproveitar os dias, ao sabor das estações, regados a comida farta, bebida, jogos e conversas com os amigos.

Essa felicidade está prestes a acabar para Sissi, pois sua mãe, a Duquesa Ludovika, planeja uma viagem à Viena para casar Helene, a filha mais velha, com o Imperador Franz Joseph. Casamento arranjado, como tantos da realeza, que fracassa quando o Imperador e Sissi se apaixonam.

O filme encantou multidões, arrecadando mais em bilheteria na Áustria do que E o vento levou (1939). “O diretor Ernst Marischka, também autor do roteiro, viu na história da vida da princesa Sissi um romance com grande potencial cinematográfico. Afinal de contas, a maneira pela qual Sissi reencontra o primo Franz Joseph anos depois de brincarem juntos e se apaixonam, mesmo o rapaz estando ‘prometido’ para a irmã dela, possui verdadeiro manancial melodramático – o que o filme, no entanto, evita, deixando o drama romântico para as outras partes da trilogia. No lugar, a comédia de erros se instala quando os dois se encontram na beira de uma pescaria e Sissi parece mais uma tirolesa perdida na natureza do que uma prendada aristocrata”. – Pedro Maciel Guimarães.

Infelizmente, estes anos ingênuos não encontram espaço fora das telas, onde parece não haver lugar para happy-end. A princesa Elisabeth da Áustria-Hungria foi assassinada aos 61 anos por um fanático religioso. Romy Schneider, após anos de depressão, doença agravada após a morte trágica do filho adolescente, foi encontrada morta, em 1982, vítima de uma combinação de álcool e remédios. Tinha apenas 44 anos.

Sissi (Áustria, 1955), de Ernst Marischka. Com Romy Schneider (Sissi), Karlheinz Bohm (Imperador Franz Joseph), Magda Schneider (Duquesa Ludovika), Uta Franz (Princesa Helene), Gustav Knuth (Duque Max).

Referência: Coleção Folha Grandes Astros do Cinema. Romy Schneider. Cássio Starling Carlos. São Paulo: Folha de S. Paulo, 2014.

O castelo

K chega a uma aldeia castigada pela neve, entra na taberna e diz ser o topógrafo contratado pelo superintendente do Castelo. Os frequentadores logo dizem que ninguém foi contratado para executar tal tarefa e K começa uma peregrinação pela cidade, tentando se comunicar com os responsáveis. Conhece Frieda, amante do superintendente, de quem fica noivo, consegue emprego de supervisor na escola local, mas continua sem entender os motivos da renúncia de todos com relação à sua permanência na aldeia.

O filme de Michael Haneke, feito para a TV austríaca, busca fidelidade ao romance inacabado do escritor Franz Kafka. Os diálogos são literais, com narração em off descrevendo, na maioria das vezes, as imagens. Cortes bruscos, com a tela enegrecida, marcam as passagens de tempo.

“O enredo repleto de ambiguidades perturba, mas também faz rir, e abriga um tema caro a Kafka: o homem em conflito com a falta de sentido dos entraves burocráticos e engolido por eles. Seu personagem principal, K, é um agrimensor que chega a uma aldeia para supostamente medir as terras de um conde. Lá, não se sabe exatamente, no entanto, quem o contratou e por quê. A instância da autoridade é o castelo, mas seus representantes nem sempre estão ao alcance.” – Eduardo Simões.

Referência: O castelo: um filme baseado na obra de Franz Kafka. Cássio Starling Carlos, Pedro Maciel Guimarães, Eduardo Simões. São Paulo: Folha de S. Paulo, 2013   

O castelo (Das schloss, Alemanha/Áustria, 1997), de Michael Haneke. Com Ulrich Muhe (K), Susanne Lothar (Frieda), Frank Giering (Arthur), Felix Eitner (Jeremias), André Eisermann (Barnabas).