Maria entrou no quarto e deixou a toalha cair. Gesto para o flagrante da câmara de cinema se ela fosse alguns anos mais jovem. Talvez até seu marido, estendido na cama, a desvendasse com olhar antigo.
Ela enxugou os cabelos, os olhos cruzando o espelho, o reflexo gasto do corpo. Escolheu na penteadeira um hidratante ainda cheio até a borda. Apoiou a perna na beirada da cama, começou a passar o creme, as mãos deslizando dos pés as coxas. Vai-e-vem, vai-e-vem, como lembranças. Às vezes, olhava seu marido, estendido na embriaguez, cheiro de suor e álcool.
Cheirou alguns perfumes esquecidos. Este – cheiro bom de fim de tarde na praia, aquele, leve cheiro de dama da noite ao cair do dia. Perfumou-se no pescoço, braços, seios, barriga. Cheiro de praia, como na noite de hotel em Ipanema – tantos e tantos anos. Ipanema das praias de cinema, dos sonhos. Ipanema. Pés descalços tocando pela primeira vez areias de mar. A primeira vez.
Abriu o guarda-roupa. Será que essa calça ainda me serve? Essa blusa me caía tão bem! Esse vestido estava na moda quando… como é mesmo o nome daquela atriz? daquele filme?
Há mais de dez anos não vou ao cinema. A vida, a vida, tarde da noite, sozinha em casa, esperando o marido voltar dos bares. A vida.
Maria ligou o secador de cabelos. O barulho despertou o marido. Sonolento, ele notou a mulher pelo espelho. Os cabelos ao vento do secador, lábios ganhando aos poucos a cor do batom. Observou-a vestindo a calcinha, uma blusa branca, uma calça leve de verão, sandálias deixando os pés à mostra.
Ainda com cabelos úmidos, ela pegou a pequena bolsa: colocou um frasco de perfume, batom, espelhinho, contou algum dinheiro, saiu do quarto. Pela janela, o marido a viu subindo a escada da rua. Onde você vai? Maria observou a casa, o olhar desceu pelo telhado colonial, passou pelas paredes recém-pintadas de amarelo, parou nas janelas de madeira, no verniz ainda brilhando que ela fez questão de passar. Me deixa dar o toque final, pedira ao pintor, me deixa depois de tanto tempo terminar com tudo isso, uma pincelada, a marca no tempo. O tempo.
Onde você vai a essa hora? Repetiu o marido parado na janela, mãos espalhando a ressaca do rosto. Não sei. Talvez eu vá tomar um chopp com uma amiga. Talvez ao cinema. Talvez andar de carro por aí.