Cidade nua

A narrativa começa com uma das marcas do cinema noir: narração em off, enquanto entram cenas aéreas de Nova York, dos bairros, das ruas, pessoas transitando em metrôs, crianças brincando nas ruas… O projeto de Cidade nua nasceu de uma proposta ousada, claramente influenciada pela estratégia dos neorrealistas italianos que ganhavam fama neste período. 

“As origens deste filme são interessantes.Há muitas histórias, a que ouvi é que um jovem roteirista, Malvin Wald, procurou Mark Hellinger que era um colunista famoso de Nova York, com uma personalidade lendária, e propôs uma ideia radical. A equipe de produção de Hollywood sairia do estúdio, iria para as ruas de Nova York e filmaria um filme inteiro nas ruas de Nova York, para contar a história de uma investigação de homicídio.” – James Sanders.  

O cinema americano da década de 30 fugiu das ruas, as filmagens migraram quase inteiramente para os grandes estúdios de Los Angeles. Isso aconteceu em parte devido ao tamanho das câmeras e a complexidade de gravar som em ambientes externos. Nova York, berço do cinema americano, ficou abandonada nesta década pelos cineastas, afinal, já era uma metrópole pujante dia e noite, impossível para o recém inventado cinema sonoro filmar nessa cidade barulhenta. A estratégia usada pelos produtores era recriar bairros e ruas de Nova York dentro dos estúdios, usando cenas gravadas na cidade apenas como pano de fundo. 

O ponto forte de Cidade nua é usar a cidade como personagem, talvez a protagonista da película. A trama é tradicional no gênero noir: uma modelo é assassinada em seu quarto, durante a noite. Dois detetives, Don Muldoon (Barry Fitzgerald) e Jimmy Halloran (Don Taylor) cuidam do caso. Durante a investigação, andam por vários pontos da cidade, é um filme em movimento constante, é como se os detetives estivessem procurando a velha agulha no palheiro. 

A narração em off interage com os personagens. Conversa com moradores da cidade, em uma cena, diz para uma jovem no metrô que lê sobre o assassinato: “não precisa se preocupar, isso não acontece com estenógrafas.” Em outras, se dirige ironicamente ao detetive: “se quiser achar o criminoso, você precisa andar, andar…” 

Segundo o crítico James Sanders, o filme retrata a Nova York das pessoas comuns, antes do advento da TV, quando a rua era habitat natural de homens, mulheres, crianças, mas em algum quarto, na madrugada noir, um crime poderia acontecer. Em Lower East Side, onde grande parte da trama foi filmada, neste período viviam cerca de um milhão de pessoas.  

No final, a perseguição do criminoso na Williamsburg Bridge é um dos grandes momentos do cinema noir, do cinema que usa as ruas para afirmar um dos princípios básicos da sétima arte: o movimento.

Cidade nua (The naked city, EUA, 1948), de Jules Dassin. Com Barry Fitzgerald, Howard Duff, Dorothy Hart.

Sombras do mal

O filme abre com Harry Fabian sendo perseguido pelas ruas de Londres. É o destino do protagonista: perseguir o sucesso e ser perseguido pelas falcatruas que pratica.

Sombras do mal é baseado no romance Night and the city, de Gerald Kesh, apesar do diretor Jules Dassin declarar após o lançamento do filme que nunca leu o livro. Harry Fabian se envolve em perigoso esquema de organização de luta livre e bate de frente com Kristo, chefe da máfia londrina desse esporte. Como em todo bom filme noir, a tragédia ronda os personagens que caminham sem volta para a degradação. Os destaques ficam por conta do emocionante diálogo de Kristo com seu pai, o lutador Gregorius; e o ato final de Harry Fabian às margens do Rio Tâmisa.

Sombras do mal (Night and the city, Inglaterra, 1950), de Jules Dassin. Com Richard Widmark (Harry Fabian), Gene Tierney (Mary Bristol), Francis L. Sullivan (Philip Nosseross), Stanislaus Zbyszko (Gregorius), Herbert Lom (Kristo).