Aconteceu naquela noite

Aconteceu naquela noite (1934) é um dos três filmes na história do Oscar a conquistar os cinco principais prêmios: ator, atriz, roteiro, direção e filme. Os outros são Um estranho no ninho (1975) e O silêncio dos inocentes (1991).

Ellie (Claudette Colbert) é filha de milionário novaiorquino. Após discussão com o pai, que não aceita seu casamento com um notório playboy, Ellie foge, pulando do iate. Em um ônibus, a caminho de Nova York, ela conhece Peter (Clark Gable), jornalista que descobre sua identidade e a acompanha, tentando conseguir uma boa história de interesse humano.

Um dos primeiros road-movies do cinema é também uma comédia maluca, recheada de situações inusitadas, beirando o absurdo.  “O filme ilustra bem as bases do gênero que se tornou febre na Hollywood dos anos 1930 e 1940: falta de compatibilidade psicológica inicial entre os personagens, mundos desconexos e relação que evolui das brigas para o amor. Conversa-se muito nas comédias malucas, os personagens falam ao mesmo tempo, ninguém se entende; as ações se sucedem num ritmo bastante acelerado. Esse tipo de filme resume a excelência do cinema hollywoodiano em construir histórias cheias de reviravoltas e humor, com roteiros complexos e atuações impecáveis.” – Pedro Maciel Guimarães.

Aconteceu naquela noite consagrou Clark Gable, mas é, efetivamente, um filme de Frank Capra. O diretor foi responsável por construir enredos edificantes à moral americana em tempos sombrios nos anos 30, quando os Estados Unidos e o mundo estavam assolados pela grande depressão e pelas incertezas do período entre guerras.

“Na era revisionista na qual vivemos, Capra é considerado um autor sentimentalista, cujo patriotismo se elevava em filmes politicamente corretos. Os críticos desconsideram o talento do diretor em lidar com as complexas possibilidades cinematográficas, incluindo metáforas, elipses. ritmo narrativo e direção de atores. Exemplo: a fascinante sequência final de Aconteceu naquela noite, quando tudo que o espectador desejou ver ao longo do filme é simulado do lado de fora do quarto, ao som das trombetas derrubando as muralhas de Jericó.” – Pedro Maciel Guimarães

Aconteceu naquela noite (It happened one night, EUA, 1934), de Frank Capra. Com Clark Gable (Peter), Claudette Colbert (Ellie), Walter Connolly (Andrews).

Referência: Coleção Folha Grandes Astros do Cinema. Vol. 6, Clark Gable. Cássio Starling Carlos. São Paulo: Folha de S. Paulo, 2014.

A felicidade não se compra

O filme foi fracasso de bilheteria quando lançado e o diretor Frank Capra recebeu críticas severas por extravasar mais uma vez seu estilo sentimentalista, melodramático e brega. Essas injustiças foram rechaçadas com o tempo. Na década de 70, A felicidade não se compra caiu em domínio público e passou a ser exibido quase à exaustão na TV, principalmente por ocasião das festas natalinas. O filme foi reconhecido pela crítica e pelo público como uma das obras mais sensíveis e tocantes da história do cinema, visto até mesmo como um alívio diante da exacerbação consumista que dominava e ainda domina a mídia. 

George Bailey é um jovem sonhador que mora na pequena Bedford Falls, em Connecticut. Passa o tempo contando os dias para deixar a cidade e viajar pelo mundo. A morte precoce do pai, pequeno banqueiro da cidade, é o primeiro entrave aos seus planos. Ele assume o negócio e, a partir daí, luta contra o capitalismo selvagem, representado pelo milionário Mr. Potter (atuação inesquecível de Lionel Barrymore) que deseja primeiro comprar o pequeno banco e seu proprietário. Quando não consegue, trama para destruir George Bailey. Na véspera da noite de natal, Bailey está falido, sem perspectivas, frustrado por ter renegado seus sonhos. Dirige a esmo pela cidade tomada pela neve, bate em uma árvore, caminha desesperado até uma ponte e decide se matar.  

A virada da história é Clarence, anjo que desce à terra para tentar salvá-lo. Para isso, o anjo leva George a uma viagem por uma nova cidade: Bedford Falls é agora Potterland, cidade corrompida e entregue à selvageria capitalista. O motivo? George Bailey não existiu nesta cidade.

“Somente o idealismo de George e seu auto sacrifício enfrentando essas dificuldades para manter a comunidade unida – apesar do provincianismo -, com pessoas amigáveis, o comércio simples e O sinos de Santa Maria sendo exibido no cinema local. Se ele não estivesse lá, a cidade seria um inferno sombrio, em que a adorável Violet (Gloria Grahame) é presa pela polícia de costumes e a Main Street é uma confusão de letreiros de neon e malandragem; o cinema é um bordel. Convencido de que, apesar de tudo, sua vida vale a pena, George se atém à flor que lhe fora dada por uma filha que ele impensavelmente ignorou a vida toda. Ele é chamado à realidade durante uma emotiva reunião familiar – o banco é salvo por pequenos investidores, o anjo consegue suas asas e George canta, aos prantos, Merry Christimas em coro com todo mundo. É uma cena tão tocante e animadora que o filme pode deixar o dilema da sua trama sem solução: Potter ainda fica com o dinheiro roubado do banco e continua mau.” 

Quanto aos detratores de Frank Capra, espero que todo final de ano o anjo Clarence exiba A felicidade não se compra em sessões exclusivas para estes incrédulos da felicidade humana. Nós, os sonhadores, esperançosos, bregas, guardamos o filme no coração. 

A felicidade não se compra (It’s a wonderful life, EUA, 1946), de Frank Capra. Com James Stewart (George Bailey), Donna Reed (Mary), Lionel Barrymore (Mr. Potter), Henry Travers (Clarence). 

Referência: Tudo sobre cinema. Philip Kemp (editor geral). Rio de Janeiro: Sextante, 2011