Os Panteras Negras

O curta-metragem de Agnès Varda foi filmado durante o verão de 1968, quando os Panteras Negras se reuniram em manifestações em Oakland, Califórnia. O motivo das manifestações foi chamar a atenção para o julgamento de Huey Newton, um dos fundadores da organização. Huey Newton respondia pela acusação de homicídio de um policial branco durante uma batida policial em um bairro negro de Oakland.

Agnès Varda não se isenta de tomar partido, focando nas manifestações de rua e nos discursos dos líderes dos Panteras Negras. É um documentário sóbrio, tradicional, mas provocativo. A câmera a serviço do real, a edição pontuada por imagens e frases precisas, transformaram o filme em um dos mais importantes registros históricos deste revoltante contexto racista da década de 60 nos EUA. 

Os panteras negras (Black panthers, França, 1968), de Agnès Varda.

Saudações, cubanos!

Em dezembro de 1962, Agnès Varda visitou Cuba a convite do Instituto Cubano del Arte e Industria Cinematográficos. Sua estada de pouco mais de um mês no país de Fidel Castro, logo após a revolução, resultou em cerca de quatro mil fotos tiradas por Varda. As fotos foram expostas em Paris, depois a diretora se debruçou em um trabalho minucioso para fazer esta espécie de documentário animado a partir de fotografias. 

É o retrato vivo da Cuba ainda imberbe da revolução, o próprio título determina o olhar de Agnès Varda: o que interessa são as pessoas, os moradores dessa ilha explorada durante décadas pela ditadura de Fulgencio Batista e pela elite americana. Arte, cultura, com destaque para os movimentos musicais, a vida simples de moradores e trabalhadores, as imagens fascinam, encantam, deixam em cada frame a sensação de um sonho, uma utopia. 

Saudações, cubanos! (Salut les cubains, França, 1963), de Agnès Varda.

Mur murs

A câmera de Agnés Varda, neste documentário em curta-metragem, percorre as ruas da grande Los Angeles, mostrando murais pintados por artistas anônimos. Os diversos temas traçam um retrato da cidade dos sonhos dos anos 80: violência de gangues, movimentos culturais das ruas, seitas religiosas, marginalizados… 

Como é comum em seus documentários, a cineasta tece comentários sobre as imagens, provocando a reflexão sobre a arte desses artistas anônimos, muitos deles também marginalizados que encontram nas paredes e muros das grandes cidades a possibilidade de se expressar. Muros e murmúrios ecoa como um grito pela beleza e vivacidade das obras. 

Mur murs (França, 1981), de Agnès Varda. 

Ulisses

Em 1954, Agnès Varda produziu e fotografou a famosa cena em uma praia coberta de pedregulhos no Sul da França. Ulisses é o nome do menino sentado, olhando a cabra morta. 

No curta, realizado na década de 80, a cineasta volta ao local da foto, conversa com os protagonistas, buscando as memórias daquele tempo, daquele registro. Através de imagens passadas e presentes, o curta é uma reflexão sobre a natureza de fotografar, sobre memórias perdidas, resgatadas, sobre pessoas simples que são, em determinados momentos, apenas um flash um suas vidas, eternizadas pela arte.  

Ulisses (Ulysse, França, 1983), de Agnès Varda. 

La Pointe Courte

O primeiro filme de Agnès Varda poderia ser considerado também o primeiro filme da nouvelle-vague francesa, pois apresenta os princípios estéticos e narrativos que marcaram o movimento a partir de 1959: atores não-profissionais; gravações em locações; cortes e movimentos de câmera que destoavam do cinema dominante, dito de qualidade; temas do cotidiano das comunidades. 

São apenas dois atores profissionais em cena. Philippe Noiret e Silvia Monforte. Eles interpretam um casal de namorados que visita a Pointe-Courte, pequena vila de pescadores no sul da França. Enquanto caminham pela vila, o casal discute a relação e outros temas inerentes à juventude, pessoas enamoradas que se confrontam com incertezas. Narrativas paralelas mostram o cotidiano dos moradores, simples e pobres pescadores que se dividem entre a labuta pela sobrevivência e os prazeres singelos dos dias que passam ao sabor do sol, do vento, do mar. 

A locação escolhida por Agnès Varda faz parte de suas memórias de infância, uma das praias que a cineasta frequentou e que revisita, em forma de reflexões, no belo documentário As praias de Agnès (2008). 

“As ruas da Pointe Courte, por onde eu adorava andar. Fotografava muito e fui descobrindo este bairro. Ouvia histórias de uns e outros, sobretudo as dos mais velhos. Queria usá-las para fazer algo, um filme. Parecia preparar um documentário, mas parte do filme era sobre um casal. A Silvia Monfort e o Philippe Noiret, que estreou neste filme, participaram generosamente nesta experiência cinematográfica. Tinha pensado numa certa estrutura, um projeto de dois filmes misturados por capítulos alternados, como num romance de Faulkner que me impressionou, Palmeiras Bravas. Iria, portanto, alternar as sequências dos pescadores com as do casal. Duas narrativas, cujo único ponto em comum era o local: Pointe Courte. Ela descobriu onde ele nasceu. Ele mostrou-lhe as casas, as ruelas.” – Agnès Varda. 

La Pointe-Courte (França, 1954), de Agnès Varda. Com  Philippe Noiret (Lui), Silvia Monforte (Elle). 

Os catadores e eu: dois anos depois

Dois anos depois do documentário Os catadores e eu, Agnès Varda volta ao tema, entrevistando novos personagens e revendo catadores do primeiro filme. A novidade é o olhar mais crítico, principalmente de quem depõe para a câmera da cineasta. O impacto do documentário provocou mudanças nas vidas de alguns deles.

Um dos catadores agora vivem em um abrigo, não mais em trailers à mercê de mudanças rotineiras. Jean, o catador professor é quem tem mais espaço, diz que continua com sua militância política contra o desperdício, mas agora tem mais exposição, participa de programas de TV, dá entrevista. A surpresa em seu depoimento é uma crítica ao trabalho de Agnès Varda. Ele comenta que não gostou da forma como a cineasta se expõe no filme, acha desnecessário para a narrativa e o tema suas aparições diante da câmera, quase como se fosse mais importante do que os próprios catadores. 

Nesta sequência, o filme apresenta mais uma reflexão do trabalho de documentar, no caso de Agnès Varda sem medo de se expor, tanto atrás como diante das câmeras. É um documento pessoal de quem observa, participa, reflete e tece críticas, às vezes sobre seu próprio trabalho. 

Os catadores e eu: dois anos depois (Les glaneurs et la glaneuse… deux ans après, França, 2002), de Agnès Varda.

Daguerreotypes

Por uma feliz coincidência do destino, Agnès Varda morou grande parte de sua vida em uma rua de Paris chamada Daguerre. Neste documentário, a fotógrafa e cineasta retrata os moradores de sua rua, pequenos comerciantes que vivem o cotidiano simples e corriqueiro de seus afazeres e prazeres. 

A cineasta comentou que seu filme é “uma análise casual dos meus vizinhos.” De manhã, Agnés Varda saía com sua câmera, puxando uma grande extensão de sua casa pela rua, pois não queria gastar energia dos estabelecimentos e casas onde registrava suas imagens singelas, ternas dos moradores da Rua Daguerre. Todos fotografados de forma casual, assim como preconizou um dos inventores da fotografia: Louis Daguerre.  

Daguerreotypes (França, 1975), de Agnès Varda.

As praias de Agnês

O documentário pode ser visto como uma espécie de testamento fílmico de Agnès Varda. A narrativa começa com a montagem de um cenário em uma das praias frequentadas pela fotógrafa/cineasta na infância. Encenações na praia se fundem a trechos de seus filmes, amparados por uma sensível e sincera narração em primeira pessoa. 

Parte da história do cinema francês, pouco antes e a partir da nouvelle-vague francesa, está registrado em As praias de Agnès. Os relatos e os filmes se imbricam com a vida pessoal de Varda, em momentos de emocionar, como no momento em que ela vê fotos de amigos mortos e, principalmente, ao comentar seu relacionamento com o também cineasta Jacques Demy. A rua onde ela viveu, em Paris, serve como cenário para a simulação de uma praia em plena capital francesa, com areia, sombrinhas, mesas de trabalho como se fosse uma produtora de cinema ao ar livre. Em um trecho, a cineasta tenta definir cinema: “O que é o cinema? É luz que chega de algum lado e que é retida pelas imagens mais ou menos escuras ou coloridas.” Filme a filme, memória a memória, Agnès Varda revela toda a sua paixão por essas imagens escuras ou coloridas e pela vida.  

As praias de Agnès (Le plages D’Agnès, França, 2008), de Agnès Varda.

Ao longo da costa

Ainda no início da carreira como cineasta, Agnès Varda realizou este curta documental para o Escritório Francês do Turismo. A câmera passeia de forma descontraída pelas praias, ruas e monumentos da Riviera Francesa. No início a diretora avisa, vamos deixar o burro e a vaca de lado, alusão aos animais dos simples moradores da costa azul, pois o tema do documentário são os turistas que chegam aos milhares no verão europeu. 

Mesmo sendo uma encomenda oficial, o olhar crítico da diretora se traduz em um texto às vezes irônico e imagens simbólicas da imersão turística nas praias ensolaradas, apinhadas de turistas com seus corpos vermelhos expostos ao sol inclemente. 

Ao longo da costa (Du Côté de la Côte, França, 1958), de Agnès Varda.

Os catadores e eu

Um convite à reflexão. Em resumo, é o que instiga a procura do cinema documental. Mais ainda nos documentários de Agnès Varda que não se exime de também refletir sobre os temas e, principalmente, imagens de suas obras. Os catadores e eu, como o próprio título original sugere, é uma incursão em sua própria atividade. Um relógio sem ponteiros, que não marca o tempo, achado no lixo, adorna o escritório da cineasta. 

Assim, Agnès Varda talvez tenha se relacionado com outros catadores e expandiu suas reflexões. Descobriu e expôs o incrível mundo do desperdício, toneladas de alimentos jogados fora diariamente que servem para poucos catadores como alimento diário. 

O ponto de partida e sustentação do documentário é a associação com a arte, pintores célebres que retrataram mulheres catadoras que chegavam após a colheita. Na França, é uma atividade reconhecida por lei, os catadores podem entrar em propriedades privadas e recolher o que sobrou das colheitas. Um advogado catador anda com o código penal em mãos para deixar claro a todos seu direito. Dois outros personagens do documentário catam por ativismo político, têm emprego, mas se alimentam do que acham nas lixeiras. Artistas fazem sua arte com objetos recolhidos nas ruas, assim como Agnès Varda que, com a câmera na mão (deslumbrada com o poder das pequenas câmeras digitais) recolhe as imagens. 

O documentário é também uma reflexão sobre o cinema, como nas belas imagens de caminhões na estrada, enquadrados pelas mãos da diretora. Alguns ficam visíveis entre seus dedos, outros ela esmaga ao fechar a mão. São os caminhões que infestam as estradas, transportando mercadorias que serão consumidas, descartadas, catadas, em um ciclo interminável que separa a sociedade. 

Os catadores e eu (Les glaneurs et la glaneuse, França, 2000), de Agnès Varda.